Fotos: Arquivo Pessoal
Formada em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Neusa Thomasi é gaúcha, natural de Pinhal Grande. Aos seis meses de vida veio morar em Santa Maria. Depois de fazer uma turnê como atriz em Paris, na França, ela decidiu se instalar no exterior, onde vive há 30 anos. Neusa é fundadora e diretora da Compagnie des Contraires (Companhia dos Contrários), diretora da escola de circo social e criação teatral Repaire des Contraires, pedagoga, escritora e atriz. Ela a usa arte contra violência em periferias pobres na França. Neusa afirma que sempre amou arte e o teatro desde que nasceu.
Diário de Santa Maria - Quais atividades desenvolve?
Thomasi - Vivo na França desde 1987. Minhas atividades são muitas, mas a que ocupa mais meu tempo é a direção da Compagnie des Contraires, uma associação em favor do desenvolvimento da educação popular e ao acesso a cultura para todos. Escrevo as peças de teatro que montamos, dirijo, atuo. Monto todos os projetos pedagógicos e sociais que a Compagnie desenvolve com sua equipe nas diferentes cidades francesas e também nos outros países. Eu me dediquei de corpo e alma construindo uma política cultural, nas ruas, em primeiro lugar; e depois, com o tempo, nós tivemos uma caminhonete, que foi transformada em ateliê de teatro, para poder ir de praça em praça.
Diário - Para você, qual a função do artista e por que trabalhar com temas de inserção social?
Neusa - Não podemos continuar a viver num mundo de desigualdade, de falsos poderes, de miséria humana e intelectual. Viver bem, enquanto milhares de pessoas lutam desesperadamente para conseguir o pão nosso de cada dia. Lutam para continuar a acreditar que ser honesto e trabalhador vale a pena, e nesse lutam sofram privações humilhações, desesperanças. O trabalho de inserção social é capital para o bem estar de uma sociedade mais justa, onde a democracia e a igualdade possam reinar. Um artista deve ir lá, onde todos os outros não querem mais ir. Tem que ter coragem, engajamento, força, perseverança e muita luz. A arte é o vetor mais sólido da transformação de uma sociedade. Ela transforma o ser humano nas profundezas de seu inconsciente. Um ser humano que cresce, vive e envelhece com a arte é um ser feliz, intuitivo, sensível, centrado, com uma visão ampla do mundo.
Diário - Que tipo de temas as peças e os projetos abordam?
Neusa - As peças que montamos abordam diversos temas, mas todos eles são ligados a temáticas sociais dos lugares onde trabalhamos. Por exemplo, o Avarento de Molière fala do casamento forçado ou a adaptação de Jean de Florett e de Marcel Pagnol que mostra a discriminação, o complô, a cumplicidade destrutora em direção de um estrangeiro respeitoso, humilde, cultivado... mas estrangeiro na cidadezinha pacata da região de Provence na France. A possessão das terras desse que herdou Jean de Florette leva os habitantes da cidade serem cumplices de sua morte. A temática da imigração, falta de água, injustiça, são temas fortes nessa adaptação feita pelo ator e diretor tunisiano. Lassâad Salaani que faz parte da Compagnie des Contraires depois da fundação.
Diário - Quais eram seus sonhos logo que se tornou atriz?
Neusa - Nunca tive sonhos de atuar na Europa, meu sonho era conhecer o mundo, os diferentes centros de pesquisas e mestres do teatro, viajar, e encontrar meu caminho. Até hoje atuo em várias peças de teatro da companhia.
Diário - Como começou a ser pensada e desenvolvida a técnica "encenação de emergência"?
Neusa - Esse método de trabalho de direção de urgência teve suas primeiras raízes em Santa Maria quando comecei a dar aulas na escola Mário Quintana. Era uma classe noturna, com empregadas domésticas, operários, marginais. Quando cheguei para dar aula, no primeiro dia entendi que tudo o que eu tinha aprendido na universidade não serviria para nada e que se eu quisesse "sobreviver" nesse gueto de precariedade que era a escola, eu deveria reagir imediatamente e fazer aqui, agora, no momento presente e com as dificuldades e obstáculos humanos e materiais. Hoje meu método de trabalho é super eficaz e o resultado é fantástico, faço de três a quatro Direção de Urgência por ano, com 20 a 100 pessoas participando. Cada produção dura entre 10 a 20 dias seguidos de representações públicas e gratuitas. Qualquer pessoa pode participar.
Diário - Como foi sua infância e adolescência? O que lembra daquela época?
Neusa - Minha infância foi extremamente solitária, não tive amigas(os). Sempre me senti diferente, super sensível e discriminada. Uma infância triste. A adolescência foi um combate quotidiano para fazer minha família aceitar o fato que o teatro era e seria sempre à razão de meu viver. Fui criada para casar cedo, ter filhos, constituir família e morrer de tédio! Mas tive força suficiente para me salvar!
Diário - Quais os locais que conheceu fora do Brasil? O que mais lhe marcou na viagem?
Neusa - Sou uma cidadã do mundo adoro viajar. A Turquia precisamente a Capadócia, mas amei muito a Austrália. Viajo de duas a três vezes por ano.
Diário - Sente saudade de Santa Maria? Voltaria a morar aqui? O que lembra da cidade?
Neusa - Sinto saudades de amigos santa-marienses. Nunca voltaria a mora em Santa Maria, talvez um dia no Brasil, mas no nordeste. Acho uma cidade invadida de lojas, sem natureza, quentíssima, com poucos momentos culturais. A Santa Maria de minha época, infelizmente, morreu. Meus momentos inesquecíveis foram o do Grupo Porão de teatro, onde eu atuava, nesse grupo a vanguardista e revolucionário, onde aprendi a pensar de outra forma. Meus anos universitários foram os mais belos, encontrei vários amigos queridos que guardo até hoje.